Trânsito cada vez mais complicado

13/06/2010 - Tribuna do Norte - Wagner Lopes Repórter


Adriano AbreuA frota de carros de Natal cresceu assustadoramente, o que tem provocado congestionamentosA cidade é outra, a realidade é a mesma. Em 2011 a municipalização do trânsito de Natal completará uma década e o transporte e o tráfego na capital potiguar continuam enfrentando o mesmo grande desafio de quase 10 anos atrás: evitar o estrangulamento das principais vias, devido ao aumento contínuo da frota, que se ampliou 13 vezes desde 1988. A solução é unânime entre os especialistas e passa necessariamente pela melhoria do sistema de transporte público, sem a qual se tornará quase impossível controlar um crescimento médio de 20 mil novos veículos por ano.

Taxista há 11 anos, Rodrigues Camilo da Silva não poupa críticas às mudanças pelas quais o trânsito natalense passou desde a municipalização. “Piorou 100%. Hoje em dia, em todo canto que você andar, as maiores vias como a Hermes da Fonseca, Salgado Filho, Bernardo Vieira, Prudente de Morais, vai ver congestionamento. E agora é o dia todo, antigamente era só no horário de pico”, recorda o profissional.

No quesito “pior mudança”, ele dá medalha de ouro às modificações na Bernardo Vieira. “Piorou demais. Quiseram fazer no estilo de Recife e não teve condições”. Já das melhorias, o taxista cita duas: “A ponte nova (Newton Navarro) melhorou muito o acesso à zona Norte e o Via Livre está melhorando bastante as ruas”. Em seu entender, era necessário transporte público de qualidade para a população deixar os carros em casa, ou o município adotar medidas como transformar a Salgado Filho e a Prudente de Morais em vias de mão única, “porque a situação é gravíssima”. 

Os usuários dos transportes coletivos também não veem avanços. Manoel Alves trabalha em uma oficina de móveis e leva até mais de uma hora para fazer o percurso de menos de 10 km entre Petrópolis e o bairro de Pirangi. “Piorou muito, dá mais congestionamentos na cidade e os ônibus até têm dia que é bom, mas geralmente é fraco. Demoram. Então não melhorou é nada”, aponta.

Para quem se desloca para a zona Sul, a situação é cada vez pior e o secretário-adjunto de Trânsito do Município, Haroldo Maia, explica o motivo. “As mudanças no tráfego levam em conta o desenho urbano da cidade. Antes, por exemplo, só havia uma ligação entre zona Norte e Sul e isso era um problema. Agora com a nova ponte foi minimizado. Os pontos críticos aparecem em função da economia”, destaca.

Antigamente, lembra o secretário, o desejo de viagem das pessoas era para o centro da cidade, onde se concentravam serviços e comércios. “Hoje, com o Plano Diretor permitindo a abertura de negócios em todo o município o eixo vem mudando. Pela vocação turística, que é a mola de desenvolvimento de Natal, a região Sul, próximo à Ponta Negra, tem se tornado o desejo maior de viagem dos natalenses, reúne universidades, shoppings, hotéis, serviços e é onde as pessoas trabalham.”

Com isso, vias como a Roberto Freire, Salgado Filho e o trecho urbano da BR-101 se tornaram cada vez mais congestionadas. “Antigamente você pegava a Roberto Freire tranquilo para ir à praia, mas agora tudo está concentrado lá, serviços, supermercados, bancos, e a situação ficou bem diferente”, reconhece.

Transporte público é a solução

Os milhões previstos para serem investidos em obras de mobilidade urbana em Natal podem se limitar a meros paliativos, se não for dada prioridade ao transporte de massa. A opinião é do secretário adjunto de Trânsito do Município, Haroldo Maia. “O principal desafio para todos os municípios, sobretudo as capitais, é administrar a circulação da frota crescente, em um espaço físico que não aumenta, é constante. A saída então é investir em transporte público”, reforça.

Ele lembra que Natal é um dos municípios com menor área territorial dentre as capitais brasileiras, apenas 170 km2, e por isso é ainda mais importante para a cidade preservar o espaço destinado ao transporte público. “Seja com ônibus, metrô de superfície, VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), é função do poder público preservar esse espaço, porque se depender do transporte individual, o automóvel, não tem solução. Tudo que a gente fizer é paliativo e em pouco tempo estará superado pelo aumento da frota.”

Haroldo Maia entende que as propostas de restrição ao uso do automóvel individual são bem-vindas, mesmo aquelas que preveem proibição de acessos às áreas centrais, porém ressalta que o melhor caminho é mesmo a melhoria do transporte público. “A partir do momento que a gente considera que uma via é um bem público, e é bastante caro, quanto mais pessoas estiverem usando é melhor. E o transporte público é o que transporta mais gente. A partir do momento que poucos usam a via, não existe equilíbrio”, observa.

Para melhorar o transporte público, a licitação das linhas de ônibus, que hoje são operadas por concessão, é considerada fundamental. “Está dentro do Plano de Mobilidade da Semob (Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana), que está em fase conclusiva e que levou em conta estudo da rede de transporte e o desejo de viagem das pessoas, ou seja, para onde o pessoal quer se deslocar, sugerindo novos traçados.”

Haroldo Maia considera a licitação um passo decisivo para definir melhor as regras e o órgão gestor ter mais condições de gerenciar o sistema. Ele lembra que, atualmente, é praticamente impossível criar novas linhas, apesar da demanda das comunidades, e a alternativa acaba sendo estender o percurso das atuais. “Com a licitação, poderemos ter novos trajetos dentro de um novo modelo e em cima de uma nova rede que está sendo planejada para facilitar os deslocamentos.”

Haroldo alerta que ao final deste ano se extingue a concessão das atuais linhas. “Não depende da Semob, mas o ideal é que em 2011 já seja implantado o novo modelo, com a licitação”, afirma.

Processo enfrentou dificuldades, diz urbanista

Poucos nomes se relacionaram tanto com o trânsito de Natal no período da municipalização quanto o de Walter Pedro. Urbanista com especialização em Gestão de Trânsito pela UFRN, foi gerente do Sistema Viário da antiga Secretaria Municipal de Transporte e Trânsito (STTU) entre 1996 e 1997, chefe do Departamento de Engenharia de Trânsito de 1999 a 2005 e do Departamento de Fiscalização de Trânsito em 2008.

Atual gerente de Trânsito de Mossoró, lembra como foi o processo na capital: “Em um primeiro momento ouve resistência por parte do Detran, provavelmente devido à perda de parte do poder, mas com habilidade e bom senso conseguimos o objetivo.” Walter Pedro destaca que o processo de municipalização nas cidades brasileiras iniciou-se da necessidade de unificar as gestões de trânsito e transportes.

“Não havia mais condições de administrar o sistema de transporte descoordenado das ações de melhoria do trânsito”, ressalta. As municipalizações ganharam força com a aprovação do Código de Trânsito Brasileiro, em 1997. “Em Natal, apesar de existir uma maior aproximação das equipes técnicas (do Detran e STTU), a formalização de relações de apoio técnico mútuo era bastante tímida, quando não tendentes a formar áreas de atrito”, revela.

Em seu entender, em 2001 não restava outra alternativa a não ser a Prefeitura reivindicar e assumir a gestão do trânsito municipal, “apesar das dificuldades financeiras e estruturais”. O ex-servidor da STTU recorda que os principais desafios do trânsito e transporte na época eram implantar melhorias na malha viária, priorizando o sistema público de passageiros; modernizar os semáforos e adequar vias que servissem de alternativa ao escoamento dos veículos particulares.

O objetivo principal era diminuir a sobrecarga nos principais corredores de ônibus da cidade (Bernardo Vieira, Prudente de Morais, Coronel Estevam, Felizardo Moura, Hermes da Fonseca/Salgado Filho). “Alguns pontos eram bastante preocupantes, mas sem dúvidas a pior situação era o corredor Felizardo Moura-ponte de Igapó, via totalmente saturada, sem áreas adjacentes para ampliação e sem outra opção de deslocamento, exceto a balsa, que era cara e com pouca capacidade de transporte de veículos”, relembra.

Não bastassem as dificuldades financeiras e estruturais, a STTU também enfrentou resistência às mudanças que pretendia implementar. A priorização do sistema de transporte de massa, em detrimento do individual, muitas vezes limitando acesso e diminuindo áreas de estacionamento para veículos particulares, atingiu principalmente a classe média, formadora de opinião.

“Isso resvala na classe política, o que em determinado momento limita ou adia a ação das equipes técnicas, mesmo sabendo que o benefício ao usuário do transporte de massa é comprovadamente eficaz”, enfatiza.

Ponte foi um dos principais avanços no sistema viário 

Para o ex-diretor da antiga STTU, Walter Pedro, a construção da ponte Newton Navarro possibilitou uma segunda opção de deslocamento entre a zonas Norte e Sul, representando “um divisor de águas para o sistema viário da cidade”. Mais que uma simples ligação viária, a nova passagem teria significado até mesmo o rompimento do processo de discriminação da zona Norte, que se agravava em decorrência da dificuldade de deslocamento dos moradores do “outro lado do rio”.

O especialista não para nesse exemplo e cita uma obra polêmica. “A implantação do corredor exclusivo da Bernardo Vieira é um bom investimento prioritário para o sistema público de passageiros. A segregação de parte da via para os ônibus permitiu aumento substancial da velocidade comercial e mais eficiência no quadro de horários, dando confiabilidade ao sistema”, defende.

Outras mudanças positivas citadas pelo gerente de Trânsito de Mossoró foram a abertura do cruzamento da Jaguarari com a Presidente Bandeira (Alecrim), o pontilhão da Beira Canal com a Regulo Tinoco (no Baldo) e a abertura do cruzamento da São José com a Mor Gouveia (Lagoa Nova). “Além da pavimentação asfáltica de diversas vias importantes no bairro de Lagoa Nova”, acrescenta.

Para ele, a possibilidade de o usuário se deslocar para qualquer parte da cidade pagando apenas uma tarifa, iniciada com a implantação das estações de transferência, foi outro avanço considerável nesses quase 10 anos. “Apesar do muito que já foi feito, ainda poderíamos ter feito mais como a conclusão do Pró-Transporte da zona Norte”, cita, referindo-se ao projeto que inclui os principais corredores viários da região, com recursos de mais de R$ 70 milhões. “Temos ainda a conclusão da segunda etapa de alargamento da Hermes da Fonseca/Salgado Filho, entre a Alexandrino e a Antônio Basílio.”

Para o especialista, mais uma grande obra a ser executada é o anel viário em torno da cidade, abrindo uma alternativa de acesso entre as regiões Sul, Oeste e Norte e desafogando vias centrais, como a Bernardo Vieira e a Salgado Filho, além de servir de opção ao transporte de cargas e facilitar a integração do trânsito em toda região metropolitana.

“É inconcebível continuarmos acompanhando o aumento da frota de transporte público de passageiros intermunicipal sobreposto ao sistema urbano, o que muitas vezes dobra o número de ônibus que trafegam em alguns corredores, aumentando o conflito com os demais veículos e contribuindo com o aumento dos congestionamentos”, explica. Walter Pedro defende ainda a implantação de corredores exclusivos de transporte rápido por ônibus, terminais de integração nos limites do município e modernização do sistema de trens urbanos.

Via Livre mexe com interesses de uma minoria

Walter Pedro considera que o projeto Via Livre, implantado em Natal desde 2009, pode ser considerado “um importante processo de tratamento viário nos corredores de Natal”. Ele lembra que a proposta é tecnicamente simples (limitar os estacionamentos nas vias, liberando mais faixas para o tráfego), de baixo custo e de grande impacto no trânsito, mas de difícil implantação: “Vai de encontro a interesses pessoais de uma minoria com uma grande capacidade de mobilização. Portanto, a implantação é prova inequívoca de maturidade política por parte do gestor público.”

O secretário adjunto de Trânsito, Haroldo Maia, afirma que o Via Livre vem representando um avanço muito grande na fluidez do tráfego e na melhoria da mobilidade. “E atinge todas as classes sociais: quem anda de ônibus, táxi, van, automóvel, transporte escolar.” Ele lembra que os congestionamentos representam custos altíssimos para a sociedade, incluindo os financeiros, com a perda de tempo e de combustível; os ambientais, com a liberação de gases pelos veículos e a barulheira; e mesmo psicológicos, no tocante à qualidade de vida.

“A partir do momento que você melhora a mobilidade, melhora a qualidade de vida. Só em você ter de parar em um sinal amarelo e esperar ele abrir, aqueles 45 segundos já vão lhe causando um estresse grande. Imagine você ficar parado em um grande congestionamento sem conseguir sair do lugar”, declara.

Passe

Já com relação ao Passe livre, que garante ao usuário utilizar mais de um ônibus dentro de uma hora, pagando uma única passagem, o engenheiro Walter Pedro lamenta que tenha chegado tarde. “A falta de integração completa do sistema do transporte de passageiros permitiu a fuga de um número significativo de usuários para outros meios de transporte, incluindo automóveis particulares.” Agora, ele acredita que dificilmente o sistema por ônibus recuperará os usuários, mas entende que a bilhetagem evitará mais “abandonos”.

Com relação ao Passe Livre, Haroldo Maia destaca que a iniciativa possui um cunho social importantíssimo. “É um projeto de inclusão social mesmo. Para aquelas pessoas que pagavam antigamente duas, até três passagens, agora se deslocam com uma passagem para qualquer local da cidade. Teve um impacto positivo muito grande.”