Sem prioridade, transporte coletivo agoniza em meio ao trânsito caótico

17/10/2010 - Cinform - Suzy Guimarães

O transporte coletivo sempre foi a grande alternativa das populações na maioria das cidades. De custo mais baixo em relação a outros meios, o ônibus é o ponto de partida do cidadão para chegar a todos os outros. Apesar disso, sem prioridade, é grande a agonia desse setor pela disputa de espaço em vias de circulação desapropriadas. Inúmeras são as constatações do grande risco da não prioridade ao transporte de massa. Nesse sentido, mobilidade urbana é o quebra-cabeça da atualidade a ser desvendado pelos especialistas em trânsito, planejamento de cidades, urbanistas, engenheiros e arquitetos de todo o mundo. Em Aracaju, nada é diferente e a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito – SMTT -, sem saída, busca a implantação de soluções inteligentes, a exemplo das vias preferenciais e integração intermodal ao ônibus.

Sair do Conjunto Marcos Freire III, em Nossa Senhora do Socorro, Grande Aracaju, para o Mosqueiro, Zona de Expansão da capital, onde João Rodrigues dos Santos, pedreiro, trabalha na construção de uma casa há oito meses, poderia ser mais fácil. Para chegar à obra, ele usa apenas uma bicicleta. O tempo gasto para atingir seu objetivo fica em torno de duas horas e meia. A idade de João é de 58 anos, e ele tem vários problemas de saúde, entre os quais, foi acometido por um pré-enfarte. Mas por necessidade, João não para. O pedreiro é responsável pela manutenção da mulher, de quatro filhos e de dois netos, sendo um deles portador de necessidades especiais.

Lá chegando, João trabalha pesado, ao sol, por um dia inteiro, e retorna para casa na bicicleta. Entre a distância, cansaço natural e o desconhecimento sobre suas condições de saúde, o risco é fatal. "Eu recebo passagem, mas não pego ônibus porque minha casa é longe do ponto e quando saio por volta das 4h ainda é muito escuro e o risco de assaltos e até de morte é grande", conta o pedreiro.

"Com a implantação de bicicletários nos terminais, ou paraciclos que possuem custo ainda mais baixo para instalação, esse senhor e outros, como ele, poderão sair do local em que moram um pouco mais tarde, seguir até o Terminal de Integração da Maracaju, localizado no Santos Dumont, deixar a bicicleta e continuar de ônibus com maior segurança. Na volta, eles descem e vão de bicicleta até em casa", aponta o coordenador de Ciclomobilidade da SMTT, Fabrício Lacerda Alves. Ele explica que essa não é uma realidade distante, já que os paraciclos não custam caro por não exigirem a construção de estrutura de grades, como os bicicletários que geralmente ficam fora de terminais. "Esses estacionamentos de bicicletas seriam implantados dentro dos terminais e com uma só passagem o usuário guarda a bicicleta, usa o ônibus e chega ao seu destino mais rápido", pontua Fabrício.

Fabrício lembra que, para tudo isso acontecer, é preciso investimento no setor de transporte, atentando que o bom desempenho do projeto só acontecerá mediante comprometimento dos órgãos responsáveis envolvidos. Ele deixou claro que os ônibus precisam de espaço para fluir e diminuir o tempo dos percursos, mas isso só poderá ocorrer mediante o lançamento de campanhas educativas de forma imediata. Para Fabrício, que é um o incentivador da mobilidade intermodal, deixar o carro em casa é o melhor para a circulação em grandes centros. "Não é a solução total. No entanto, é um bom ponta-pé inicial", diz.

Fabrício entende que há um conjunto de fatores que devem ser repensados nas cidades. Com relação especifica a Aracaju, ele atenta que os terminais de ônibus precisam com urgência de remodelação, o que segundo ele, já está programado para acontecer. Um ponto importante para que a integração intermodal funcione é que as avenidas e ruas possuam uma boa sinalização, tanto vertical, quanto horizontal. "Pintar faixas é muito simples. Requer apenas tinta para gravar os sinais no asfalto. No caso da sinalização vertical, são placas colocadas ao longo das vias nos locais certos. Tudo isso requer um custo acessível, sem dúvida", diz o funcionário da SMTT.

VIAS SEGURAS

Dentro do contexto, ele observa que uma via bem sinalizada facilita a fluência do tráfego no momento em que cadeirantes, ciclistas, pedestres contam com boa visibilidade e juntamente com uma boa educação no trânsito não invadem a pista com sinal aberto e buscam atravessar nas faixas. Para o estudioso em trânsito, esse é um ponto crucial para diminuir o índice de acidentes e atropelamentos que ceifam vidas e aumentam o caos no trânsito.

De uma forma profundamente equivocada, o automóvel ocupa 90% do espaço viário das cidades, e transporta somente 20% das pessoas., O superintendente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Município de Aracaju – Setransp - José Carlos Amâncio observa que as políticas de mobilidade devem servir para diminuir as desigualdades e promover a inclusão social. Nesse sentido, Amâncio admite que o poder público deve combater o transporte ilegal que não respeita as leis e nem o processo de educação no trânsito. É nesse ponto que ele cita o BRT - ou Bus Rapid Transit -, que consiste em corredores exclusivos para o tráfego de ônibus nas grandes cidades.

José Carlos Amâncio chama a atenção para o fato de que um ônibus de alta capacidade pode transportar até 270 passageiros, o que diminui o número de carros nas vias, e aumenta a oferta de mobilidade para a maioria das pessoas. "O BRT é um projeto bom, importante. No entanto, nesse momento, a meu ver, a educação para o trânsito tem de ser priorizada. Se assim não for, não haverá respeito às vias únicas, e o caos pode ser ainda pior", observa o superintendente do Setransp. Para ele, a integração com bicicletas é uma grande saída, mas que também deve ser orientada e as vias necessitam de sinalização adequada. Amâncio atenta que uma saída provisória, poderia ser a alternância de vias em horários de pico.

"Cito como exemplo a Avenida Hermes Fontes, que interliga uma grande área da cidade, atravessando diversas vias de Aracaju. Nos horários de pico, uma das vias poderia funcionar com uma faixa exclusiva para ônibus", sugere. Ele observa, ainda, que hoje a velocidade média de um ônibus circulando em momento de pico é de 17 quilômetros por hora. Com o BRT, esse deslocamento se daria a 35 quilômetros por hora. Hoje o BRT está em 80 cidades do mundo como alternativa para a mobilidade urbana. Amâncio lembra que com vias exclusivas, os ônibus duram mais e oferecem conforto aos passageiros, rapidez e segurança. "O ônibus é o transporte mais usado e continua sem apoio. Ele não tem nenhuma forma de subsídio nem mesmo para consertos quando quebram em vias danificadas", constata.

Pontos elevados: acessibilidade ao alcance de todos

Muitas são as dificuldades, principalmente para quem tem necessidades especiais e nem sempre conta com uma estrutura adequada nas cidades. Quem pensa assim é o arquiteto Urbano da SMTT, Júlio Santana. Segundo ele, o BRT é compreendido de vários pontos e um deles são as paradas de ônibus com calçadas elevadas à altura do coletivo, para a mobilidade adequada dos passageiros, maior acessibilidade dos cadeirantes e portadores de deficiência.

"Sofremos muito, porque os pontos de ônibus principalmente em bairros afastados ficam em locais com vários desníveis, onde a cadeira não anda direito e para alcançar o degrau do elevador nos ônibus é um grande esforço. Gostaria de ver uma solução, porque as pessoas reclamam que nós atrasamos a viagem. Mas fazer o quê?", admite José Luiz Santos Moura, cadeirante e líder comunitário do bairro Pau Ferro, zona-norte de Aracaju.

Incentivar o uso do ônibus é solução clara para desafogar o trânsito

Júlio Santana explica que o projeto de paradas elevadas fará com que um número maior de pessoas opte pelo transporte coletivo, acrescentado que os estudos já estão em andamento. No conjunto, as vias exclusivas serão dotadas de sensores para que o sinal abra somente para os ônibus quando esses se aproximarem, alternando em seguida com os outros transportes, aumentando a fluência no tráfego. "O BRT é complexo, ainda está em análise em Aracaju, no entanto já é realidade em outros países e no Brasil", observa o arquiteto. Para se ter noção da importância de um ônibus no processo coletivo, ele pode transportar 75 pessoas de uma só vez, tirando das ruas até 70 carros.

Ônibus é esquecido, e investimento no setor é precário

Apesar da importância do ônibus, em decorrência da sua capacidade ampliada de transportar passageiros e de criar mobilidade adequada, o que se vê são veículos quebrados em avenidas, pneus danificados, além do vandalismo que lhes danificam a estrutura. Como resultado final, tem-se uma frota não muito satisfatória. Quem sofre é o condutor, cobrador, passageiro, empresário e todos que utilizam o transporte coletivo.

Apesar dos investimentos do setor em renovação das frotas, os proprietários de empresas alegam que mesmo denunciando a falta de interesse dos governantes nada muda. O superintendente do Setransp José Carlos Amâncio assegura que os números não são animadores e mostram a deficiência existente na geração de subsídio para que os ônibus se mantenham em condições de rodar.