Falta de planejamento é entrave para integração


30/05/2010 - Carla França Repórter - Tribuna do Norte

Transporte público de qualidade é direito do cidadão. Mas, nas cidades que integram a Região Metropolitana de Natal (RMN) – Ceará-Mirim, Extremoz, Macaíba, Natal, Parnamirim, São Gonçalo, Monte Alegre, Nísia Floresta, São José do Mipibu e Nova Cruz – esse preceito não está sendo cumprindo a contento. E não é difícil de entender o porquê. Em dez anos, a frota de ônibus que circula na área foi reduzida quase à metade (passou de 600 para 369 carros) enquanto que a população aumentou em 198.315 habitantes (de 1,12 milhão para 1,32 milhão de pessoas).

O resultado dessa equação só poderia ser negativo: reclamações. Entre as mais comuns estão a superlotação, a mudança constante do itinerário e a retirada das linhas, o sucateamento da frota, o descumprimento dos horários, o valor das passagens, o desrespeito com os passageiros e até a falta de profissionalismo dos motoristas e cobradores com os usuários – que ainda sobraram.

Outro fator contribui para a precariedade do sistema. A falta – ou a deficiência – de fiscalização por parte do Departamento Estadual de Estradas e Rodagens (DER-RN) órgão responsável pelo transporte intermunicipal no Estado. Deixando os usuários do transporte público refém do sistema.

Além da redução na frota, houve também a diminuição no número de empresas – cinco faliram nos últimos dez anos – e de linhas – 71 foram canceladas. A mais recente deixará de funcionar a partir de hoje. É a linha 134 que faz o percurso Ceará-Mirim/Natal (Via Ribeira), da Expresso Oceano.

De acordo com informações do Sindicato das Empresas de Transporte do Rio Grande do Norte (Setrans), hoje apenas sete empresas atendem aos dez municípios da Região Metropolitana de Natal – esse número já foi de 12. As empresas em atividade são: Oceano (que atende Extremoz e Ceará-Mirim), Trampolim da Vitória (faz as linhas Parnamirim, São Gonçalo e Macaíba), Cidade das Dunas (Ceará-Mirim e Nova Parnamirim), Via Sul (Nova Parnamirim) e Riograndense (Monte Alegre e São Gonçalo do Amarante).

Desde 2007 o DER-RN está realizando estudos para a implantação do Plano Diretor de Transporte da RMN, que estuda uma possível integração dos sistemas intermunicipal e urbano. Segundo informações da Diretora de Transportes em Substituição Legal do órgão, Maristela Lopes de Sousa, “esse aspecto está em análise nos ajustes finais para implantação de uma nova rede de transporte intermunicipal de passageiros”.

Para o vereador e membro do Parlamento Comum da RMN, George Câmara, a melhoria do transporte intermunicipal esbarra na falta de planejamento dos órgão gestores. Ele acredita que a integração entre o sistema de transporte intermunicipal e urbano é uma boa solução melhorar a qualidade do serviço oferecido. Mas ele lembra que há dificuldades para a unificação das tarifas e integração dos dois sistemas.

“Em Natal os custos dos percursos menores são subsidiados pelo grandes trechos, o contrário acontece na RMN. Como os itinerários passam pela zona rural poucos são os pontos de paradas que pegam passageiros. É como se fosse um frete, já que não há usuários pelo meio do caminho. Por isso, não é possível unificar as tarifas”, diz George. Ele explica ainda que a questão da integração dos sistemas depende da vontade e do entendimentos dos empresários do transporte e dos gestores públicos. “O que não dá é ficarmos com esse tipo de transporte que não atende a demanda da população. Os problemas que surgem são de cidades grandes, mas mentalidade para resolvê-los é do interior”, criticou o vereador.

Bate-papo
Maristela Lopes Souza, Diretora do DER

TRIBUNA DO NORTE: O sistema de transporte da Região Metropolitana de Natal é regulamentado? Desde quando?
Maristela Sousa: O Sistema de Transporte Coletivo Intermunicipal de Passageiros do Estado do Rio Grande do Norte é regulamentado desde sua implementação, sendo esta regulamentação consolidada, sob a gestão do DER, pelo Decreto nº 16.225, de 30 de julho de 2002, alterado pelo Decreto nº 16.369, de 2 de outubro de 2002 e pelo Decreto nº 19.362, de 22 de setembro de 2006. Tal regulamento abrange todo o sistema de transporte de passageiros de característica rodoviário e metropolitana.

TN: Essa regulamentação funciona na prática? Como é feita a fiscalização do DER?
MS: A regulamentação citada é exercida plenamente na gestão do sistema transporte intermunicipal de passageiros. O DER realiza a fiscalização concentrando esforços em pontos considerados críticos, como terminais rodoviários e nas rodovias estaduais, com apoio do CPRE/RN. No entanto, nas rodovias federais este trabalho é de competência da PRF, de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro.

TN: Qual a frota do Sistema de Transporte da Região Metropolitana de Natal? E qual a demanda de usuários? Essa frota é suficiente?
MS: O sistema de transporte da Região Metropolitana de Natal conta com 183 linhas e 369 veículos. Todos os municípios da Região Metropolitana de Natal são contemplados por linhas do transporte regular. Todos os aspectos relacionados à demanda de usuários, à quantidade de linhas e à frota de veículos estão inseridos nos estudos para implantação de uma nova rede de transporte intermunicipal de passageiros.

TN: Os usuários reclamam da pouca quantidade de ônibus se comparada a demanda. Em Macaíba, por exemplo, só uma empresa atende a população. Como é feita a escolha dessas empresas e a definição das linhas/itinerários?
MS: Atualmente, encontra-se em fase de ajuste final, através de consultoria contratada por meio de processo licitatório, os estudos para implantação de uma nova rede de transporte intermunicipal de passageiros, que tem como respaldo as diretrizes do Plano Diretor de Transportes da RMN. Esse plano buscou identificar, em sua fase de diagnóstico, todas as carências do atual sistema de transporte coletivo intermunicipal. Entre os aspectos abordados no diagnóstico, estão inseridos os estudos de oferta e demanda. Com relação a Macaíba, além de uma empresa, existem mais sete operadoras do transporte opcional que complementam a oferta de transporte nesse município.

TN: Outro problema é com relação a falta de segurança. Usuários dizem ser comum assaltos nas estradas, até mesmo nas movimentadas. O que o DER tem feito?
MS: O aspecto da segurança pública nas rodovias não está relacionado com as competências do DER. Esse questionamento deverá ser feito às autoridades competentes. No entanto, o DER procura escolher pontos de paradas e terminais sempre em locais que propicie segurança aos usuários.

TN: A maioria das linhas não atende a toda Natal. Por exemplo, um usuário que trabalha na Ribeira tem que descer na avenida Rio Branco e para chegar ao seu destino final tem duas opções: ou pega outro ônibus (e paga mais uma passagem) ou vai a pé. Há previsão de unificar o sistema intermunicipal com o da capital?
MS: Atualmente, possíveis restrições nos itinerários das linhas intermunicipais, no perímetro urbano de Natal, estão relacionadas com determinações da Semob, gestora do trânsito e do transporte no município. Existe um convênio de cooperação técnica para seguir e não intervir no trânsito nem atrapalhar a oferta urbana. Sobre uma possível integração dos sistemas, esse aspecto está em análise, nos ajustes finais para implantação de uma nova rede de transporte intermunicipal de passageiros.

TN: Os empresários alegam que os clandestinos atrapalham o sistema de transporte da RMN. Algumas empresas cancelaram algumas linhas. O que o DER está fazendo para reverter essa situação?
MS: Diante da comunicação da desistência de uma linha, a empresa fica obrigada a manter a prestação do serviço por um período de 60 dias, após a comunicação ao DER. O DER pode outorgar, em caráter emergencial, autorização para outra empresa continuar a operação da linha, até a licitação da mesma. Existem localidades que possuem outras opções, como vans ou outra empresa.

Conferindo a qualidade do transporte

Na última semana, a equipe de reportagem da TRIBUNA DO NORTE, utilizou o serviço de transporte público da Região Metropolitana de Natal para ‘sentir, na pele’, as dificuldades pelas quais passam os usuários. No primeiro dia 25.06), a viagem foi feita de Macaíba a Natal, no turno da manhã. No segundo dia (26.05), o itinerário escolhido foi de Natal a Ceará-Mirim, no horário da volta para casa. E nos dois percursos sobraram problemas.

Macaíba/Natal - 25.05.2010

Nas primeiras viagens do dia, os ônibus já saem cheios do terminal. Sobram poucos lugares para os passageiros que vão subir nas paradas seguintes. “Nos horários que a gente mais precisa, de manhã e a noite, os carros de Macaíba só circulam lotados. São 45 minutos de viagem, na maioria das vezes, em pé.”, reclama o ASG Francisco Souza, que mora em Macaíba, mas trabalha em Natal e diariamente utiliza a Linha M (Macaíba/Natal/Via BR-101 Midway), da empresa Trampolim.

Para utilizar a Linha M, o ASG paga R$2,80 por viagem. Valor que ele considera alto. “Eu acho bastante caro, principalmente porque não atende todo o meu itinerário. Eu desço no Midway e ainda tenho que andar 150 metros a pé até o meu trabalho ou pagar mais R$2,00 para pegar outro ônibus. O que era caro, fica um absurdo, gasto R$4,80 só para ir ao trabalho e ainda tem a volta”, diz Francisco de Assis.

As reclamações não param por aí. Para a cabeleireira Michele Xavier Ricardo – que utiliza a Linha G (Macaíba/Natal/Via BR226) – pior do que andar no veículo lotado e pagar o preço maior do que deveria (R$2,65), é a longa espera pelo ônibus. Segundo ela, a demora é maior a noite e nos finais de semana.

“Eu já cheguei a esperar até duas horas pelo ônibus no final de semana. A gente tem que acordar mais cedo para não chegar tarde nos compromissos. Isso é falta de respeito com os usuários”, reclamou a cabeleireira.

A equipe da TRIBUNA DO NORTE percorreu todo o itinerário da Linha G e durante a viagem, que durou 1h26 minutos, os usuários não pararam de reclamar. Em algum lugar do ônibus, que estava lotado, um casal de amigos reclamava da falta de segurança, do preço da passagem e da lotação.

Natal/Ceará-Mirim -25.05.2010

O relógio marcava 18h19m quando a equipe da TRIBUNA DO NORTE chegou ao ponto dos ônibus intermunicpais, na avenida Rio Branco. A parada estava cheia de passageiros ansiosos para voltar para casa.

Depois de quase 30 minutos de espera chega o ônibus da Linha 134 (Ceará-Mirim/Natal/ Via Ribeira). E para espanto, o veículo estava praticamente vazio. No máximo, dez passageiros, ocupavam os assentos. Apesar do tempo de espera, também foram poucos os que embarcaram.

“Antes esse ônibus só circulava lotado, com gente pendurada na porta. Mas as pessoas deixaram de pegá-lo porque não sabem mais se ele vai passar ou não. E para evitar surpresas desagradáveis muita gente prefere pegar um ônibus urbano e descer na zona Norte para depois pegar qualquer um que faça a linha Ceará-Mirim”, explica o fiscal de loja Ailton Rosa Xavier. Ele já esperou mais de duas horas pelo carro da linha 134.

Pegar dois ônibus, além de mais trabalhoso é mais caro para o usuário, que acaba pagando duas tarifas. Uma de R$2,00 para o trecho urbano e outra de R$3,50 para Ceará-Mirim. Ou seja, em um único dia o usuário gasta R$11,00 só com transporte.

Durante todo o percurso (Natal/Ceará-Mirim) o ônibus estava vazio. Para se ter uma ideia, sobraram lugares até a Parada das Mangueira (São Gonçalo) – último ponto do trecho urbano. Depois dela nenhum passageiro subiu no veículo e foram apenas dois desembarques.

Mas segundo a funcionária pública Télia Freire, na maioria das vezes, os ônibus de Ceará-Mirim andam superlotados. “Essas situações são raras. Hoje mesmo, voltei para casa no ônibus antes desse horário e ele estava muito cheio, não cabia mais ninguém”, diz.

Télia e outros 435 moradores de Ceará-Mirim entraram com uma ação no Ministério Público contra as empresas que operam no município e estão cancelando as linhas de ônibus, alegando prejuízos financeiros. Segundo ela, essa justificativa não corresponde a realidade, tendo em vista que a maioria dos veículos circulam com excedente de passageiros.

“Como eles estão tendo prejuízos financeiros e os ônibus estão circulando lotados?? Os alternativos também não dão conta da população e deixam até passageiros nas paradas de tão cheios. Que prejuízo é esse?”, questiona Télia Freire.

Assim como aconteceu na viagem de Macaíba, o motorista da TRIBUNA DO NORTE também fez o percurso Natal/Ceará-Mirim. Ele fez o mesmo itinerário do ônibus, mas em um tempo menor, 51 minutos. Enquanto o ônibus gastou 1h20m.

Fiscalização do DER/RN é deficiente 

Se de um lado os passageiros se sentem penalizados pela falta de qualidade do sistema de transporte intermunicipal, do outro as empresas que oferecem esse serviço também se dizem prejudicadas. Os empresários alegam que o transporte clandestino está roubando os passageiros. E que o órgão fiscalizador, o DER-RN, tem sido omisso.

“Não temos como concorrer com um serviço desregulamentado. Não há como manter um equilíbrio financeiro, se os passageiros são levados pela lotação. A prova é que 71 linhas intermunicipais já foram entregues e se o DER continuar com essa omissão, mais linhas serão canceladas”, diz o presidente do Sindicatos das Empresas de Transporte do Rio Grande do Norte (Setrans), João Carlos Queiroz.

Segundo ele, as vans e os táxis clandestinos ficam com a ‘parte lucrativa’ do transporte intermunicipal: os usuários pagantes. Enquanto que aos ônibus restam os idosos e estudantes, que têm direito à gratuidade e meia passagem, respectivamente.

O problema não está restrito a Região Metropolitana de Natal, a partir de hoje sete das nove linhas que atendem passageiros da Região Agreste, deixam de operar. No total, são dez veículos saindo de circulação e 25 postos de trabalhos que serão desativados. Nos últimos anos, mais de mil pessoas entre motoristas, cobradores e setor administrativo perderam seus empregos.

“O DER atinge apenas as empresas regulamentadas. As vans e táxis clandestinos circulam livremente pelo Estado. Nós, que pagamos impostos, somos cobrados e multados pelo descumprimento dos horários Para se ter uma ideia, cada empresa paga, mensalmente, imposto no valor de R$10 mil chamado taxa de fiscalização. Ou seja, pagamos para ser multados”, reclama João Carlos.

E o problema poderá se agravar ainda mais a longo praz. Isso porque a deficiência de transporte público é em uma das principais necessidades na infraestrutura da RMN e poderá ter um reflexo negativo para o Natal, que vai sediar a Copa do Mundo de Futebol de 2014.

“Como é que queremos ser sede de uma Copa do Mundo se não temos um transporte de qualidade? Se tudo continuar como estar, a tendência é que o sistema quebre e a população fique a mercê de um transporte que opera de forma irregular”, diz João Carlos.

Para ele, o que poderia dar condições para as empresas voltarem a operar, seria uma fiscalização rigorosa por parte do DER. “É o órgão gestor que tem que decidir o tipo de transporte do estado e não deixar essa escolha nas mãos de clandestinos”, critica o presidente do Setrans.